sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Porque Viver Longe da Pátria Amada


Descobrir o porquê  de uma decisão é fundamental. Claro que ao decorrer da experiência, os porquês podem mudar e isso é absolutamente natural. Então primeiro vamos aos porquês do meu namorado: Ele quer viver a experiência de morar no exterior, conviver com culturas diferentes,se especializar na área dele através de algum curso e aperfeiçoar o inglês. Nossos porquês são  bem diferentes mas de alguma forma se encontraram e decidimos embarcar nessa aventura juntos. Os meus motivos são um pouco mais extensos e deixo muito claro aqui que não estou generalizando minhas opiniões. 

A verdade é que desde que eu voltei do Canadá , viver no Brasil, especialmente em São Paulo se tornou um desafio diário para mim. Não que antes de embarcar minha vida fosse perfeita, o que acontece é que ninguém sente falta do que não conhece e é por isso que a ignorância as vezes nos protege das frustrações. Pelo menos no meu caso, ela protegia. Eu cresci sabendo que morava em uma cidade violenta e que deveria estar sempre alerta as ameaças. Desde pequena quando minha família  chegava de carro a noite em casa, meu pai dava uma volta no quarteirão antes de abrir o portão da garagem. Isso para verificar se não tinha nada anormal na vizinhança ou alguma presença estranha perto de casa...era o tal alerta as ameaças. Essa rotina se mantém até os dias atuais e é tão natural quanto escovar os dentes pela manhã . É normal. NORMAL. O sentido dessa palavra mudou bastante para mim depois que eu voltei. As condições de vida do país  que eu nasci me fizeram acreditar que viver com medo é normal e antes de sair daqui eu nunca imaginei que a vida poderia ser diferente. Problemas o Brasil tem de monte e eles  existem não só aqui mas em qualquer lugar do mundo, é verdade. Mas para mim, o que mais pega é ter que conviver com a violência. Tenho a sensação de viver uma guerra civil permanente, saio de casa com medo de não voltar e quando as pessoas que eu amo saem, sou eu quem tem medo de que elas não voltem. Depois que eu experimentei a rotina de voltar para casa caminhando sozinha as três da manhã sentindo o vento frio bater no meu rosto sem me preocupar em olhar para trás freneticamente, eu me dei conta da tristeza da realidade que eu vivia aqui.

Além  disso, o dia a dia da maioria das pessoas em São Paulo, entende-se aqui como maioria aquelas pessoas que utilizam transporte público  e não  trabalham próximo as suas casas, é exaustivo... A mistura de um transporte superlotado com a falta de educação de grande parte da população quase sempre resulta em cenas de horror no metrô, onde as pessoas se empurram,se xingam e são  incapazes de compreender a lei que afirma que dois corpos não  ocupam o mesmo lugar ao mesmo tempo. Sim, eu já desci em estações que não  queria, porque a multidão te leva e você não tem escolha. Enquanto isso, uma infinidade de carros desfilam pelas ruas transportando somente uma ou duas pessoas,os motoristas desses mesmos carros frequentemente jogam papel de bala pela janela, passageiros do ônibus  superlotado jogam mais lixo pelos vidros,pedestres jogam bitucas de cigarro no chão.Mais tarde esse mesmo pedestre reclama do motorista do carro vazio que não  para na faixa para que ele atravesse e assim vamos vivendo nossos dias NORMAIS. 

Morar fora também é difícil , é verdade. São  perrengues diários...não existe realidade perfeita, não é?  O que existe são opções de escolha e renúncia . E eu pessoalmente renuncio ao clima maravilhoso da pátria amada, renuncio a maravilhosa gastronomia do nosso país  e dou lugar a liberdade de andar nas ruas sozinha sem medo de ser machucada, dou lugar a tirar um cochilo numa tarde embaixo de uma árvore  em praça pública como eu costumava fazer em Toronto. Dou lugar aos ensinamentos valiosos como aprender a não julgar, a  não  achar estranho quando alguém sai de casa de pijama porque não estava afim de se arrumar. Cada um vive sua vida a sua maneira e ninguém tem o direito de apontar para você na rua por conta disso. Hoje penso de forma diferente em relação a muitas coisas. Em Toronto eu também me dei conta do quão doentia é essa mentalidade de muitos homens  brasileiros que sentem-se no direito de encher a boca pra chamar uma mulher de gorda,magrela ou feia na balada, na rua, ou em qualquer lugar. Vivemos em uma sociedade que alimenta de forma desenfreada a adoração ao corpo perfeito e faz mulheres lindas à sua maneira sentirem-se antiquadas na própria pele. Eu aprendi a ser tolerante as diferenças, aprendi que é cena comum ver a faxineira e o diretor do banco comerem no mesmo restaurante e dividirem até  o mesmo acento no ônibus. Sim, o diretor do banco anda de ônibus  também. Ele não  acha que andar de ônibus  é coisa de pobre. O brasileiro acha isso, assim como acha bacana ostentar marcas nas suas roupas como se fosse uma árvore  de natal. 
Claro que nosso país também tem inúmeras   qualidades, senti falta de cada uma delas enquanto estive fora. As tais renúncias  doem, deixar o calor humano do nosso povo, deixar os amigos e família doí.  Mais uma vez, é uma questão de escolha. Com o que você é capaz de conviver? Qual o seu limite? O que realmente te faz feliz? 

No nosso relógio agora é hora de seguir em busca de algo a mais.Descobertas,experiências,perrengues,lições de vida,mais perrengues. Eu e meu namorado buscamos entendimento, crescimento pessoal, profissional, equilíbrio  emocional,liberdade e estamos construindo nossa coleção  de aprendizados. Esses nossos porquês em comum nos juntaram nessa caminhada.



4 comentários:

Unknown disse...

Sensacional.

Me vejo em muitas das situações citadas no texto, mas as palavras escolha e renúncia são as que mais precisam estar presentes na hora de decidir morar longe de tudo e de todos que amamos para ir em busca de um objetivo.

Blog está muito legal. Continuarei acompanhando.

Unknown disse...

Oi André! Fico feliz em saber que está gostando do blog! :) Concordo com você, escolha e renúncia são os fatores principais em qualquer decisão,especialmente nesse tema. Obrigada pela presença!

Celia Cabral disse...

Amei!!. Farei comentario com mais detalhes posteriormente.....

Mayara Sarilho disse...

Entendo muito bem isso. Parabéns pelo blog, está muito bom.